Escolheu tirar em vez de dar. É pena.
O que choca não é a Isabel dos Santos ser rica, vivo bem com a riqueza dos outros, que aproveitem e sejam felizes. O que choca, muito, é perceber que Isabel dos Santos enriqueceu, aparentemente já sem margem para grandes dúvidas, ilicitamente e, pior, muito pior, comodamente sentada em cima de um povo paupérrimo, sem que a consciência lhe pesasse um grama sequer. Alguém escreveu um dia que Angola é um país rico com um povo pobre – são inúmeras as carências de uma população abundante de desempregados, sem-abrigo, analfabetos, desmobilizados das forças armadas e deslocados de guerra, crianças de rua, gente a viver no mais horrível limiar da condição humana, a pobreza extrema. O país da milionária Isabel dos Santos, onde as garrafas de Moet et Chandon se vendem como pães quentes, é também o país da mortalidade infantil assustadora - em cada mil crianças nascidas, sessenta e quatro morrem (Jornal de Angola, 15 de junho, 2019), o país onde as assimetrias e desigualdades são das mais acentuadas do mundo e “distribuição de riqueza” não passam de duas palavras desconhecidas.
A riqueza não me choca, sei bem que vivemos num mundo real onde não temos todos nem as mesmas oportunidades, nem a mesma vontade, nem a mesma garra, nem a mesma sorte. O que me incomoda mesmo a sério é a insuportável leveza com que gente de poder olha arrogantemente para o outro sem o ver. E em Isabel dos Santos impressiona a dimensão não só da teia de corrupção mas também dessa arrogante indiferença. Isabel dos Santos não governou Angola, mas o seu pai sim, e isso ter-lhe-á aberto tantas portas quantas quis, para ser rica mas também para ter sido se quisesse, nem que fosse só um pouco, uma humanista. Infelizmente foi coisa que não lhe ocorreu. Escolheu tirar em vez de dar. É pena.